O elenco do XVI Governo Constitucional, liderado pelo príncipe regente do PSD, parece ter sido talhado tendo em vista o gesto aprovador de três famílias: o patronato habitual, os fiéis companheiros de percurso de Pedro Santana Lopes e, com maior relevo, o CDS-PP. É no domínio do pendor ideológico do Executivo que o partido de Paulo Portas obtém a oficialização de um rumo até agora apenas "subentendido".
A preponderância acrescentada do segundo parceiro da coligação não resulta do aumento proporcional de pastas atribuídas, do atordoante apêndice "Assuntos do Mar" atribuído a Paulo Portas ou do advento de personagens incipientes como Luís Nobre Guedes, ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, e Telmo Correia, ministro do Turismo. A manobra processa-se com a transferência de um "independente" ultraliberal do Ministério do Trabalho e da Segurança Social para as Finanças e Administração Pública.
Argumentam, uns, que Bagão Félix é escolhido para a mais importante das pastas porque nenhuma personalidade social-democrata com capital político e técnico deu o messiânico passo em frente; contrapõem, outros, que Santana Lopes pretendeu emagrecer a notoriedade do Ministério. Ambas são interpretações admissíveis, mas, para o caso, irrelevantes. O golpe está consumado e, se o novo ministro das Finanças e Administração Pública for fiel ao seu currículo de vénia ao patronato - amplamente exercitada, durante dois anos, na política laboral -, em breve o país gemerá de saudade de Manuela Ferreira Leite (!).
As confederações patronais aí estão, expelindo perdigotos de contentamento na direcção dos microfones. A 48 horas da cerimónia de tomada de posse do Executivo, já o presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, Francisco Van Zeller, dizia, em declarações à agência Lusa, ver em Bagão Félix "um homem de confiança, um reformador incansável no diálogo".
A Oposição critica, por seu turno, a continuidade; a continuidade da depredação dos direitos dos trabalhadores, do anedótico combate à fuga ao fisco, dos benefícios fiscais à actividade especulativa, do jugo do IVA. É um erro de vocabulário. Do titular das Finanças indicado pelo partido do Largo do Caldas e da restante salada de sensibilidades que configura o XVI Governo Constitucional não se espera continuidade, antes agravamento.
O discurso
Não se percebe, também, que espécie de engenharia pretende o primeiro-ministro empregar para levar à prática o enunciado do inenarrável discurso da tomada de posse.
No decurso da trapalhada confrangedora que foi a sua alocução no Palácio da Ajuda, Pedro Santana Lopes garantiu que não está "aqui para cuidar dos poderosos". "A dimensão social – disse o primeiro-ministro – estará presente em todos os actos" do Executivo. Porém, o "rigor", esse mesmo "rigor" que mantém no desemprego meio milhão de portugueses, é para "manter".
A carga fiscal sobre as famílias, admitiu, pode ser revista, mas a consolidação orçamental é um rumo intocável. A concertação social e o diálogo serão privilegiados pelo Governo, mas não poderão substituir "a acção". Para cada medida prometida, a garantia do seu contrário.
O conteúdo daquelas folhas, que Santana Lopes virou e revirou com o desconforto de um cábula, coroou o processo de escolha do elenco governativo, levado a cabo, em quatro dias, com a habitual leveza e metodologia volátil do novo líder social-democrata.
Se, um dia, a incompatibilidade das escolhas e a paixão do populismo demagógico e eleitoralista ditarem as exéquias do "recobro" português, teremos um primeiro-ministro coerente com o seu trajecto; em fuga apressada para o próximo púlpito.