O Sedentário

quinta-feira, outubro 06, 2005

último

O Sedentário arrasta-se penosamente; andrajos de pobre, a mão estendida numa súplica, o abandono que não merece. A ruína a que não posso acudir. Por isso, o fim; sem drama, sem uma dor assinalável - o que, por si só, acaba por justificar a decisão. O Sedentário já cumpriu o seu papel. É tempo de dar outro destino às folhas dos cadernos.

Obrigado. Até sempre.

domingo, outubro 02, 2005

filipe (um)

Salve o popolo d'eroi
Son rinati e figli suoi


Consegues vê-la daí, a falta que me fazes num percurso errático de solas pela humidade da areia? Não deves poder vê-la, estás de costas para a imundície no alumínio e no vidro das janelas, para o viço perpétuo de um pau-brasil de plástico, para a caliça e o salitre no muro da esplanada, para um casal de velhinhos cansado de existir, ela um manequim de gesso a aproximar um galão do esmalte dos lábios, o dedo ínfimo, uma inquietude de galho ao vento, a designar um comício de gaivotas entre pacotes depredados de batatas fritas na rebentação de Santa Helena, ele uma camisola tricotada à luz de uma telenovela, um multiplicar de borbotos, oito vezes doze?, nos cotovelos e no arco do diafragma, migalhas de queijada sobre o cós e a braguilha das calças.
Estás de costas para a vida, noventa e seis!, se não consegues ver a falta que me fazes apontada de raia a raia na areia em colinas, se não ouves o prenúncio de um uivo que penso libertar, prometo pela saúde dos meus irmãos, somos três vezes três, à beira daquela rocha sozinha, pesadíssima, inamovível, garanto-te que nem o Atlântico zangado de Santa Cruz pode extirpá-la ao desenho da costa. Consegues vê-la daí, a saudade?
Por vezes pergunto-me se devo alombar com esta culpa de pai distante, de marido aluado, ou se a culpa é da inocência eterna da minha pele, da cor de leite e dos veios azuláceos no eixo da testa, se te apaixonarias, porventura, por um eu diferente, mais homem, as barbas espessas como as do Quental de Armindo Viseu, a contemplar, do alto de um verdete majestático, o ir e vir da preia-mar e as varizes das holandesas nas cadeiras do bar Mar Lindo.
A minha mãe tinha por hábito, lembrei-me agora, contemplar-nos aos seis enquanto mastigávamos as cornijas doces dos ouriços da Ericeira, não muito longe de onde nos encontramos, se conduzirmos com o mar por companhia quase constante.
- Os meus rapazes são uma estampa, à excepção daquele ali, enfezado, a mastigar de dentes e amígdalas ao sol – dizia ao empregado da pastelaria, apontando-me numa sobranceria de capataz, e no céu nem uma nesga iluminada por entre as mesmas nuvens para as quatro estações.