A última edição do Avante!, órgão oficial e prestimoso do PCP, consagra, numa homilia em três parágrafos, milhares de militantes – o "colectivo", no linguajar indígena, de que fazemos parte – e todo o capital político (hoje somos poucos nas urnas, amanhã seremos menos) da mais antiga força política portuguesa ao egrégio totalitarismo de Iossif Vissarionovitch, Koba, pai dos povos, Estaline (homem de aço). Novidades na matriz ideológica? Em parte alguma.
Ouvimo-lo de Bernardino Soares, quando passou os dedos pelo queixo, assanhou o sobrolho e admitiu, ó sábia pertinência!, a hipótese académica de a democracia ser um conceito transportado na ponta da língua por qualquer cidadão da ordeira e jubilosa Pyongyang. Ouvíamo-lo, em 1981, de Álvaro Cunhal, quando garantia que, para lá da férrea cortina, os trabalhadores tinham acesso a instalações que para os trabalhadores portugueses seriam um sonho, instalações para recreio…. Podemos lê-lo, agora, numa jóia literária do camarada Leandro Martins, O Partido e o Povo. Tudo arroz do mesmo lamaçal.
A propósito das comemorações dos 60 anos da entrada do Exército Vermelho em Berlim – quando Estaline esmaga o "fascista" Hitler, esse mesmo que fora tão amigalhaço em 1939 (Pacto Ribentrop-Molotov) -, escreve nos termos que se seguem o camarada Leandro Martins, chefe de redacção do Avante! e membro do Comité Central do PCP: Mas a história, já se sabe, reescreve-se facilmente. E se, na Rússia de hoje, apesar dos tempos negros que se vivem e da obscuridade lançada desde há muito sobre os factos e os seus significados, voltam a aparecer cidades em que se dá o nome de Estaline a ruas, há logo quem, lá mesmo, venha advertir sobre os "crimes" [a opção pelas aspas é importante] cometidos ou não pelo revolucionário soviético. Foi o que pressurosamente fez Gorbatchov [essa alimária coveira do socialismo!], que afirma não perdoar e alerta para este sobressalto russo que torna a elogiar Estaline. Diz ele que se não deve a vitória a Estaline. Estaríamos de acordo, se Gorbatchov pretendesse revelar que, para além do dirigente, há o povo. Certamente. O que ele não pode negar é que, se Estaline teve o seu papel na vitória ao lado do povo, Gorbatchov teve o papel principal na derrota do socialismo, acompanhado apenas por arrivistas e traidores de que se rodeou para torpedear a mais brilhante conquista da história da humanidade.
Mas há mais (desrespeito, para melhor arrumação de ideias, a ordem dos parágrafos): E também não passou historicamente despercebido que, para organizar e dar um rumo a essa resistência, uma direcção e um profundo ânimo ao avanço para ocidente, derrotando exércitos bem armados, enquadrados por fanáticos do terror, foi necessário um Partido profundamente ligado ao povo e às massas, que avançasse na vanguarda, dando o exemplo e erguendo bem alto as bandeiras da libertação e da justiça. E ainda que esse Partido teria de ter a orientá-lo uma direcção coesa e profundamente empenhada em salvar a pátria e o socialismo a construir-se. Surge assim, naturalmente [como uma brisa de Primavera, ou um arco-íris na esteira da chuva], a figura de Estaline, que não pode ser isolada dos outros dirigentes, tal como o PCUS não podia encontrar-se isolado da vontade dos milhões de soviéticos, comunistas ou não.
Para fim de conversa, gostaria de contar uma história. Em 1937 – em plena "grande purga" (1936-39) - , e pela primeira vez desde 1926, as autoridades da União Soviética, leia-se Estaline, encomendaram um censo nacional. Em 1926, aquando do censo predecessor, a população da União Soviética fora estimada em 147 milhões. Em 1937, Estaline esperava um número: 170 milhões. A comissão encarregue da tarefa teve o azar de apresentar o número de 163 milhões, ilustração dos efeitos dos programas – ou dos "crimes", para empregar a fórmula do camarada Leandro - do grande líder. Os seus elementos foram presos e posteriormente fuzilados por se esforçarem traiçoeiramente por diminuir a população da URSS.