O Sedentário

quarta-feira, março 31, 2004

À BALA

A devoção de Washington pelo abstruso é notável. Nos sulcos sinuosos de cabeças obstinadas como, por exemplo, a do secretário da Defesa, em trágico superavit na Administração Bush, o método é uma alínea secundária, se possível a preterir logo que se escancare uma primeira janela de oportunidade; assim como outros óbices do jaez do Direito Internacional: a ONU, a que invariavelmente se recorre para limpar a lama legada pelas botas dos marines, o Tribunal Penal Internacional e demais ilustrações sobejamente citadas.

A políticos da têmpera de Donald Rumsfeld, de Dick Cheney, de Paul Wolfowitz e, numa variante primária, do próprio presidente dos Estados Unidos, interessa pouco a desesperante lentidão das ferramentas diplomáticas. "Esmurrar primeiro e (talvez) dialogar depois". Assim se sintetiza a aberração que os dedicados evangelistas do "bem", supostamente consagrado em "exemplares" arquitecturas democráticas como a dos Estados Unidos - onde as miseráveis taxas de participação do eleitorado são, ao que parece, indicadores descartáveis -, têm vindo a baptizar como "guerra preventiva" e "luta pela liberdade", sendo que a segunda fórmula recrudesce quando, nos bocados de terra que se dizem "livres", fanáticos assassinam em nome de Alá ou da réplica à "cruzada" da Mesopotâmia.

Se é aceitável dizer-se que não se podia esperar da América uma resposta salomónica à ofensiva terrorista de 11 de Setembro de 2001, também o é diagnosticar, quase três anos depois, o fracasso da estratégia – desta estratégia - de combate ao terrorismo, abstrusa em toda a linha; uma estratégia que nasceu enviesada no Afeganistão, onde, para lá do derrube do regime Talibã e consequente afrouxamento do garrote fundamentalista, logrados após semanas confrangedoras de bombardeamentos contra a areia, pouco mais se conquistou; uma estratégia fatalmente contaminada pelas metastases de um tumor que a máquina bélica anglo-americana foi plantar no Iraque, retomando uma guerra, interrompida em 1991, sob o mentiroso pretexto da supressão do armamento de destruição em massa do regime iraquiano, também nebulosamente acusado de ligações a organizações terroristas; uma estratégia que, ao invés do que se agitou como fim último, levou a que o terrorismo da al Qaeda e sucedâneos se fizesse verdadeiramente multinacional e indiscriminado, matando cristãos, muçulmanos, judeus e quem quer que tenha o azar de partilhar um autocarro ou um comboio com um assassino de bomba à cintura ou embrulhada na mochila.

Charles A. Duelfer, que substituiu, em Janeiro, o incómodo David Kay no comando da equipa norte-americana de inspectores de armamento, foi ontem ao Congresso, em Washington, para repetir, com recurso a um receituário menos lapidar, é certo, não o que o seu predecessor havia afirmado – que as informações aventadas pelos serviços secretos antes da operação "Liberdade Iraquiana" eram incorrectas -, mas, essencialmente, o que Hans Blix andou a berrar enquanto chefe da UNMOVIC. Das referidas armas, nem sinal. Sobre o atropelo, por parte do antigo regime de Saddam Hussein, das resoluções do Conselho de Segurança, todos de acordo. Isto esvaziou, muito cedo, as justificações de Bush, primeiro, e de Blair e Aznar, depois, para pulverizar à força das armas o Baas iraquiano. Mas não demoveu a estúpida inclinação para o abstruso.

Não é intelectualmente saudável propor que se dialogue com agentes do terrorismo. Mas também não é honesto sustentar-se, como o faz Vasco Graça Moura na edição de hoje do Diário de Notícias, que o Iraque conhece uma "progressiva normalização da vida política e civil"; tão-pouco que o conceito das "intervenções preventivas" não está a encaminhar-nos, a todos, mais ou menos dormentes, para as premonições de Huntington.

terça-feira, março 30, 2004

m. Génio do mal, em geral.

Acordou a uma hora obscena; a tarde ia a meio. Entorpecido, rumou à casa-de-banho e ergueu com uma das mãos os sorrisos de plástico estampados na revista. Perpassou os olhos ramelosos pelas peles crestadas de solário e investiu a atenção num brinco a condizer com uma fivela. Página sobre página, uma coxa atrevida deste lado, um lábio a explodir de colagénio no outro, cabelos repolhudos de jeunesse populaire.

Depois analisou-se no espelho. Os olhos afundavam-se-lhe em pregas de pele púrpura. Enterrou os dedos no cabelo hirto, rarefeito na proa, e penteou-se como pôde. De seguida, olhando o próprio umbigo, segredou-lhe: "Que grande e bonito umbigo. Juntos, eu, tu e as prosas do meu contentamento, podemos governar este mundo".

Foi o próprio umbigo, cansado de si e deste mundo, que tomou a iniciativa de aspergir alguma luz sobre a situação; quebrando um silêncio de anos, proclamou: "Deixa-te de merdas!".

segunda-feira, março 29, 2004

PAÍS OU ESTADO DE ESPÍRITO?

A depressão colectiva, frequentemente delirante, que se abateu sobre a porta das traseiras da Europa adquiriu, num punhado de dias, uma roupagem mais senatorial. Fez-se escola, corrente idiossincrática, armamento político. Não tarda nada cria-se uma licenciatura; depois disso, uma secretaria de Estado ou uma repartição, um gabinete de estudo e uma comissão parlamentar - a ordem cronológica é arbitrária. A quem deve Jorge Sampaio atribuir uma grã-cruz no próximo 10 de Junho? Perfilam-se, agora apartados da concorrência mais directa, dois socialistas e um comunista, este último condenado ao degredo nas Canárias!...

Mário Soares, antigo inquilino de Belém, democrata de sempre – vide, entre um acervo obeso, a obediente amizade com um certo embaixador norte-americano, que aterrou cá no condado a 17 de Janeiro de 1975 e regressou a casa a 23 de Dezembro de 1977 para assumir o cargo de subdirector da CIA -, sentiu-se obrigado a explicar a ideia peregrina das "negociações" com os agentes do terrorismo de inspiração islâmica, esses pilares do Direito Internacional e reverenciados mestres da diplomacia; o que dizer, por exemplo, da disponibilidade para "o diálogo" manifestada a 11 de Março em Madrid?

Na última edição do Expresso, Soares entrega-se a "variações sobre o terrorismo". Começa por asseverar que não é um pacifista, "embora seja amante da paz e tenha a plena consciência do seu imenso valor, humano e político". Prossegue com a condenação do "terrorismo global", um "horror absoluto", e o reconhecimento de que "a força militar é indispensável", ainda que insuficiente.

"Falemos com os teólogos, os intelectuais, os politólogos, os cientistas islâmicos, que os têm da melhor qualidade. Dar-nos-ão pistas, não tenho dúvidas, para um diálogo fecundo", propugna. Correcto. Mas um "diálogo fecundo" com quem? Com uma delegação de praticantes do martírio? Com Zawahiri e Usama?

O que se pede a Mário Soares não é a enumeração dos erros e logros clamorosos do neoconservadorismo de Bush-filho. Também não é preciso vir "denunciar" a hipocrisia do banho de detergente administrado a Kadhafi ou as atenções de Washington para com o totalitarismo norte-coreano. Sabemo-lo. O que se pede a Mário Soares é, em última análise, que se aposente e se retire em definitivo para o Vau.

Não teremos essa sorte.

Convidado pelo antigo Presidente da República, António Guterres foi à Ortigosa, nos arrabaldes de Leiria, para dissertar sobre a globalização. Tocou-lhe, porém, o dossier Belém, que voltou a renegar com a tibieza que o caracteriza. "Não sou candidato, nem candidato a candidato". Já o tínhamos ouvido. É espantoso que o maior clã da Oposição insista em ver D. Sebastião num homem cansado do jugo das responsabilidades, dos espinhos do poder político e do reflexo que o espelho lhe devolve todas as manhãs.

Mas há também Saramago, a quem é curial reconhecer a capacidade de promover um livro com recurso à idiotice – a mesma que o levou a perceber tardiamente que a liberdade não mora a tempo inteiro em Havana. A dificuldade de José Saramago, que integra as listas do meu partido às eleições europeias, é compreender, de uma vez por todas, que um Nobel não é um mandato para o disparate.

sexta-feira, março 26, 2004

PACHO DE HUMILDADE

Os dias não correm em doce remanso; a alma não se rendeu aos deleites do ócio. Rendeu-se, confesso-o com uma pitada de vergonha, à evidência. Daí os fiapos de texto que trazem O Sedentário numa falaciosa consciência, num coma mal disfarçado. Sedimentam-se os dias e eu não consigo - garanto que não consigo – segurar a Bic entre o polegar e o indicador sem que me invada, rápida, clínica, uma demolidora questão: “Mas que raio ando eu para aqui a fazer?”

Atente-se nisto:

Sempre que alguém afirma ter lido um livro meu fico decepcionado com o erro. É que os meus livros não são para ser lidos no sentido em que usualmente se chama ler: a única forma
parece-me
de abordar os romances que escrevo é apanhá-los do mesmo modo que se apanha uma doença
(...)

É necessário que a confiança nos valores comuns se dissolva página a página, que a nossa enganosa coesão interior vá perdendo gradualmente o sentido que não possui e todavia lhe dávamos, para que outra ordem nasça desse choque, pode ser que amargo mas inevitável. Gostaria que os meus romances não estivessem nas livrarias ao lado dos outros, mas afastados e numa caixa hermética, para não contagiarem as narrativas alheias ou os leitores desprevenidos: é que sai caro buscar uma mentira e encontrar uma verdade. Caminhem pelas minhas páginas como num sonho porque é nesse sonho, nas suas claridades e nas suas sombras, que se irão achando os significados do romance, numa intensidade que corresponderá aos vossos instintos de claridade e às sombras da vossa pré-história. E, uma vez acabada a viagem
e fechado o livro
convalesça
.

António Lobo Antunes – Receita para me lerem

quarta-feira, março 24, 2004

DE QUARTA PARA TERCEIRA

Hoje tracei as linhas do teu rosto em papel amarrotado. Pela primeira vez. Adivinhei as coordenadas do teu esconderijo, mas falhei - por pouco! - o teu sorriso matreiro por detrás de cortinas, meio escondido, meio revelado, meio vivo, as pontas dos pés a anunciarem-se sem querer. Quase. Então, o carro desfez a curva em Santa Suzana e eu pude ver uma parede a despedir-se da cor esquálida; ilhas de tijolo num mar de tinta antiga. Ali mesmo, permiti que as linhas do teu rosto se dissolvessem e rumei à mesa de café perfumada de maresia. Depois, enraizado no plástico da cadeira, adicionei-te açúcar, redemoinhei-te, contabilizei duas ondas e três conchas e bebi o que ainda sobrava de ti.

segunda-feira, março 22, 2004

INSTANTE

Com uma solenidade de sacerdote, apartou-se do torpor fumarento da cigarrilha dominicana e molhou os lábios no copo de bourbon, que fez tilintar a expensas de dois quadriláteros de gelo; depois, grave, olhou-me com olhos de doçura condenada ao degredo mais amargo e prognosticou: "Ainda vais chorar muitas lágrimas por causa de mim". E não houve outra réplica que não uma primeira gota translúcida a precipitar-se rosto abaixo, sulcando os poros e a barba por escanhoar. Ainda houve tempo – a visão depressa se fez turvada, sobraçando o curso caudaloso que o dique reprime a custo – para estudar o trajecto de uma outra gota que, perspicaz, dava por finda uma rota vertical entre gargalo e pinho. Apertei-lhe o ombro e assenti: "Pois vou".

sexta-feira, março 19, 2004

ANOTAÇÕES DA CONTRACOSTA

Os visitantes se arrumaram na vila: o ministro se estabeleceu na casa do responsável local. Havia uma outra residência para o representante das Nações Unidas. Mas o italiano preferiu ficar na pensão local. Queria manter as independências, fora dos esquemas montados pelas autoridades locais. Eu seguia as ordens, acachorrado com ele. E lá fiquei residindo noutro quarto da pensão. Ao lado, para o que viesse.

Massimo Risi recusou que eu lhe levasse as bagagens e lá foi tropeçando pelos buracos, com maltas de crianças lhe perseguindo e mendigando doces.

- Masuíti, patrão. Masuíti.

Eu seguia atrás, respeitosamente. No enquanto, observava o estrangeiro: como a alma dele se via pelas suas traseiras! Os europeus, quando caminham, parecem pedir licença ao mundo. Pisam o chão com delicadeza mas, estranhamente, produzem muito barulho
.

Recortado de O Último Voo do Flamingo (Mia Couto)

Hoje, ditam os misteriosos calendários das efemérides, é dia "do pai". Não quis negligenciar o meu - reservei-lhe um lugar no meu carro. Vai sentar-se ao meu lado, crendo no subterfúgio, cozinhado em lume brando, de uma boleia rumo a casa. Espero arrancar-lhe aquele sorriso de Buda quando as indicações na estrada começarem a apontar para a Beira. Quero dar-lhe quarenta e oito rotações do ponteiro maior, caruma sob os pés, um trago de aguardente de mel a endeusar o café e o vagar do Alva a tocar a ponte das Secarias.

quarta-feira, março 17, 2004

RECOMENDA-SE...

Um brilhante diagnóstico do Iraque pós-Saddam Hussein pode ser lido na edição desta quarta-feira de The New York Times. Ian Buruma, professor da Bard College, define com irrepreensível clareza a cartografia do atoleiro semeado pela engrenagem bélica anglo-americana. O combate que se trava hoje no Iraque, propugna Buruma, não opõe Ocidente e Médio Oriente, tão-pouco cristãos e muçulmanos. No Iraque "libertado", xiitas, sunitas, curdos, árabes, partidários do Baas manietado e democratas dividem-se quanto ao peso que o Islão deve ou não ter na formação do novel Estado.

Ian Buruma remata o artigo com a constatação (óbvia, irrefutável) que o neoconservadorismo se recusa a admitir: o messianismo civilizacional dos Estados Unidos - paladinos de valores "universais" levados às areias do deserto nas entranhas de daisy-cutters e outras preciosidades bélicas – obtém o resultado contrário àquele que se propõe conseguir.

terça-feira, março 16, 2004

MADRID

O domingo eleitoral de Espanha baralhou as contas da intelectualidade neoconservadora. Que se dedica, de então para cá, a fazer proliferar a tese de que o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) de Zapatero arrebatou o Palácio da Moncloa com um empurrão da al Qaeda. Ou, dito de outra forma, que foram os sicários de Usama bin Laden a lograr a vitória nas urnas espanholas, por oposição à espinhosa evidência de que as exéquias de Mariano Rajoy foram preparadas – desde a cimeira tripartida das Lages, a 16 de Março de 2003, e não em quarenta e oito horas - pelo Executivo espanhol, com o presidente Aznar à cabeça. Ou, com recurso a uma fórmula ainda mais eloquente, que o eleitorado espanhol, aterrorizado com a chacina de 200 civis em Madrid, preferiu o acobardamento à carga de peito aberto, "o isolacionismo" à união dos países ocidentais, amantes da "liberdade" e da "democracia", contra a violência medieva do fundamentalismo islâmico.

Os ditames dessa mesma "democracia" são, não raras vezes, um embaraço para a direita que gosta de se apresentar como o seu garante; uma direita doentiamente preocupada com a recompensa do "mérito", a aplicação de Darwin à governança e o conforto falacioso das sondagens – estas últimas o argumento-chave brandido pela generalidade dos analistas de estibordo na autópsia eleitoral do Partido Popular (PP). O grande problema deste neoconservadorismo ultraliberal é a dificuldade atávica em pensar, por escassos segundos, que um eleitorado possa constituir uma força dotada de inteligência, capaz de percepcionar fraudes e de desmascarar encenações. Chegada ao poder, a direita trata de afagar o pêlo dos clãs privilegiados que a nutrem. Os esbulhados que aguardem. Apontar um só governo de direita que consiga ultrapassar os problemas de comunicação com a massa governada é uma tarefa ciclópica.

Em Espanha, José Maria Aznar governou, folgado, durante oito anos. Engrandeceu a Espanha "económica" – actualmente entre as dez grandes potências – e quis fazer o mesmo com a Espanha "internacional", alinhando com George W. Bush e Tony Blair no monumental logro da Mesopotâmia. Em oito anos, foi coleccionando exercícios de arrogância no tratamento da opinião pública - as marés negras do "Prestige" são imprescindíveis em qualquer tese académica sobre a ascensão e queda do PP de Aznar.

A norte-americana Barbara J. Stock, que aparece hoje citada no Diário de Notícias, resume, em dois parágrafos incendiários, o ideário da corrente que louva o combate ao terrorismo – de rarefeita inteligência - à moda de Washington: "Quando a próxima bomba explodir – talvez, desta feita, na Polónia – as famílias dos mortos devem culpar o povo de Espanha que votou para fugir dos terroristas e acobardar-se ao invés de os enfrentar. Parece cruel? Talvez, mas é a triste verdade".

A triste verdade é que são os povos ditos "acobardados" a arcar com as consequências ensanguentadas das decisões tomadas na sala oval, em Downing Street, na Moncloa ou numa caverna bafienta do Afeganistão ou do Paquistão. Pior do que o erro é a insistência cega no erro. É essa a lição de ciência política oferecida pelo eleitorado de Espanha.

segunda-feira, março 15, 2004

TUDO SOB CONTROLO...

1. Mercê da preciosa ajuda da comunicação social portuguesa, al Qaedas e quejandos do globo ficarão, finalmente, convencidos de que o rectângulo peninsular até pode ser um alvo apetecível. Basta-lhes seleccionar uma entre muitas sugestões.

2. O ministro da Administração Interna não é a melhor opção no que toca a sossegar temores ante a ameaça do terrorismo. Decididamente. Inábil, caquético, enfadado da vida e titubeante; é suposto alguém ficar descansado depois de ver, no Telejornal, Figueiredo Lopes a assegurar que o país não está sob qualquer ameaça?

HOJE VAGUEIO POR AQUI...

Poema de sete faces

«Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.»

Carlos Drummond de Andrade

sábado, março 13, 2004

ET SANABITUR ANIMA MEA...

No Getsemani, semeado nas tábuas carunchosas do Teatro Alves Coelho, João Bilha, artífice da ortodôncia de segunda a sexta-feira, Filho do Homem por uma noite pascal, ora ao Pai acocorado a um canto do palco, roçando com os braços suplicantes uma oliveira de contraplacado que ameaça a queda estrepitosa desde as deixas inaugurais do acto. O que vem a suceder quando o demónio irrompe pelas cortinas laterais para poluir a alma de Bilha, o Cristo sexagenário de barriga conventual albardada num atoalhado de linho. Na plateia, devotas e acólitos fazem ranger as cadeiras com estremeções de riso contido e reverência curial, que haviam já ensaiado quando Bilha se vira grego, à mesa com Pedro e restantes apóstolos, para quebrar à unha a côdea da broa e passar ao milagre do tinto com gosto de groselha. É então que o filho de Maria é levado à força pelo braço armado do Sinédrio, disseminando-se o estupor por entre o público.

Bilha sofre, no acto seguinte, a flagelação de um látego de cordel sobre o mesmo atoalhado do Getsemani e da Última Seia, jamais expondo o torso flácido à apreciação das primeiras filas, onde pontifica o reitor ensonado. Não sem antes comparecer em audiência preliminar ante um Caifás de deixas reticentes e ser submetido à consequente encenação da populaça na presença do procurador Pilatos, que se apressa a lavar as mãos anuindo ao clamor pela libertação de Barrabás. Muito depois de a turba calar os gritos espumosos, a voz sibilante, pró-Barrabás, de uma actriz recrutada na retrosaria continuará, retardada, a ecoar até à derradeira fila do segundo balcão. Depois o palco é deixado a um solilóquio emocionado do Iscariotes, fatalmente corrompido pelos trinta dinheiros.

O Cristo de João Bilha serpenteia com a cruz sobre o ombro, para trás e para diante num palco a arquejar de elenco. O espaço escasseia, pelo que a Via Sacra é reduzida ao essencial; rapidamente emerge, em cena, um Cristo crucificado subtraído ao centro paroquial. Bilha só regressará ao palco para ressuscitar.

Esta Paixão de Cristo, vi-a espantado, aos 10 anos, num teatro de província perfumado de mofos, lavanda e naftalina. E continua a ser esta a minha referência, muito para lá de Zefirelli, Scorsese ou Gibson.

sexta-feira, março 12, 2004

HORROR II

"Especialistas", "comentadores", "analistas" entregam-se à dissecação do 11 de Março. Esgrimem argumentos soberbosos, analisam com detalhe o modus operandi e procuram determinar, científicos, "a quem serviu o atentado" de Madrid. "A quem serviu" um atentado que provocou 198 mortos e 1.463 feridos!...

Num primeiro momento, o Governo espanhol - e a imprensa espanhola - atribuem à ETA a autoria do atentado. Angel Acebes, ministro do Interior do Executivo Aznar, assegura que, na Moncloa, "não há dúvidas" quanto à responsabilidade da organização terrorista basca. Mas Arnaldo Otegui, da "esquerda abertzale”, refuta, peremptório, a tese da ETA.

Horas depois, as brigadas "Abu Hafs al-Masri", movimento conotado com a al Qaeda, fazem chegar uma reivindicação do atentado à redacção do jornal árabe Al-Quds Al-Arabi, com sede em Londres. "O esquadrão da morte conseguiu penetrar no coração dos cruzados europeus e infligir um golpe doloroso a um dos pilares da aliança cruzada", lê-se na carta - que confunde Madrid.

Nas horas subsequentes às explosões, as autoridades espanholas apreendem uma carrinha em Alcalá de Henares, nos arredores da capital. No interior, encontram temporizadores e cassetes em arábico com referências ao Corão.

Analisa-se, de então para cá, a capacidade operacional de uma ETA "desmembrada" e o suposto código "ético" do velho nacionalismo radical basco, a amplitude da operação terrorista de Madrid e a opção - muito "fundamentalista islâmica", propugna-se à boca cheia - por um alvo civil e proletário. E há até quem decifre num simbólico número 11 o ideário da rede de Bin Laden.

O que o 11 de Março madrileno veio demonstrar, e não há argumento que valha aos entusiastas do maniqueísmo, é a trágica falência da estratégia de guerra ao terrorismo empreendida pela trindade Bush-Blair-Aznar no pós-11 de Setembro.

quinta-feira, março 11, 2004

MADRID, 11 DE MARÇO DE 2004

Para ler.

HORROR... DUAS CONSIDERAÇÕES

1. A mortandade da manhã madrilena - pelo menos 190 vidas pulverizadas pelo mais sanguinário dos terrorismos nas estações ferroviárias de Atocha, El Pozo e Santa Eugenia - deveria ser mais que suficiente para acabar com os pudores e pruridos ideológicos, por parte de uma certa intelectualidade e de alguma comunicação social do nosso país, no que toca a catalogar a ETA na estante das organizações terroristas. Sabemos, tristemente, que não vai ser assim...

2. "O nacionalismo é uma doença que se cura lendo e viajando", receitou Jon Juaristi.

PERSEU

As minhas leituras nocturnas conduziram-me a um tropeção. Deixei escapar o equilíbrio, prostrei-me e deixei-me estar; assim caído, desamparado. "Creio nos anjos que andam pelo mundo/ Creio em amores lunares com piano ao fundo/ Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes/ Creio que tudo é eterno num segundo/ Creio num céu futuro que houve dantes/ Creio nos deuses de um astral mais puro/ Na flor humilde que se encosta ao muro/ Creio na carne que enfeitiça o além/ Creio no incrível, nas coisas assombrosas/ Na ocupação do mundo pelas rosas/ Creio que o Amor tem asas de ouro, Amen". Natália assenhoreou-se da minha noite com o topete próprio de divas, musas, divindades, demónios e espectros. E fê-lo em obra avulsa, no percurso de uma pena que não a sua.

O que me obrigou, a noite passada, à deposição definitiva, sem retorno, das armas - gládios, franquisques, sabres e lanças - foi a analogia sonetista. Sentir os açúcares que o presente serve em doses gordas é, precisamente, crer em anjos que vagueiam ao meu redor e em “amores lunares com piano ao fundo”. Subitamente iluminado, acorri a Keith Jarrett e pedi-lhe emprestados os primeiros vinte e seis minutos do Concerto de Colónia – que mereceu, numa fugaz troca de sorrisos sob um sol envergonhado da Avenida de Berna, a chancela de uma antiga camarada de profissão, conhecedora dos caprichos das escalas.

Concluí que para arrebatar o meu quinhão de felicidade não vai ser preciso resgatar Andrómeda aos tentáculos duma monstruosa criatura marinha. Tranquilidade. É sobre isso que disserta, hoje, a minha consciência.

quarta-feira, março 10, 2004

RUMINANDO

À mesa de um café descarno o jornal com vagar – clínico. Mas é do branco da neve que as crónicas rezam, como se os caracteres se tivessem rebelado contra periodistas e editores. A alvura gélida que caiu em grumos sobre o xisto e as penedias. É sobre isso que versam os artigos e as parangonas. O Açor atapetado do branco mais celestial. Os balidos de frio cantados por um rebanho ao fundo do vale. Eu nunca vi a neve na Serra. Nem o gelo esculpido pelo Alva em margens frondosas. E agora? Quando?

terça-feira, março 09, 2004

EVANGELHO SEGUNDO CAVACO

Tocaram os sinos na torre da igreja e aspergiu-se o chão de rosmaninho e alecrim. E ao fim da tarde, pela fresca, os devotos do professor de Boliqueime engrossaram as fileiras da procissão no terreiro da romaria – desta feita o auditório da Fnac, no Chiado. Escorado pelas flores no andor, Cavaco deu à luz, messiânico, sebastiânico, o segundo tomo da evangélica Autobiografia Política. "Neste livro não quis ofender ninguém", desculpou-se.

Mas houve quem acusasse, sob os céus de Praga, a estocada certeira. Pairando, rapinante, sobre Belém, o autarca a meio gás não consegue furtar-se ao incómodo das prédicas semi-herméticas do macilento docente. É que não é fácil enxotar Cavaco do milheiral quando se sofre de uma espécie de osteoporose política.

Escreve Cavaco que "em termos gerais tinha uma opinião positiva de Santana Lopes como secretário de Estado da Cultura e reconhecia nele habilidade na gestão da Secretaria de Estado". Para depois cuspir a toxina que o celebrizou entre os senhores feudais do quintal peninsular: "Para meu gosto, havia demasiada intriga jornalística à sua volta". E continua, paulatinamente, a esmagar Santana Lopes debaixo do rolo compressor; o que realmente entristecia o secretário de Estado da Cultura, revela Cavaco, era a dolorosa percepção de que jamais seria agraciado com uma pastinha de ministro.

Santana responde como pode: "São considerações subjectivas que ficam com quem as faz. Guardo-as e respeito-as. Um dia, quando tiver tempo e razões para escrever as minhas memórias, talvez fale sobre isso". Ficamos, portanto, a saber que num horizonte mais ou menos próximo teremos nos escaparates uma obra autobiográfica de Santana Lopes. O que, a julgar pela qualidade da prosa dos seus artigos, é pouco menos que assustador.

Ontem Santana soçobrou. Lumen Christi! Para quem mantinha dúvidas sobre a diferença qualitativa entre os dois putativos candidatos da direita aos júbilos de Belém, aquele microfone azulado da TVE sobre a mesa de Cavaco deve ter sido esclarecedor.

REFLEXÃO SUCINTA

Ouvir a resposta de Mário Soares ao repto de Paulo Portas para um debate "à antiga" é como ver uma velha meretriz a explicar os meandros da arte à novata acabada de chegar da província.

sexta-feira, março 05, 2004

PASODOBLE PESSOAL

Os acessos de tosse têm umas pitadas de suplício medievo. Depois de uma noite de catarros terminais e subsequentes impropérios – que ribombam pela casa ao arrepio do sono alheio -, acordei com a distinta certeza de que cheguei a expelir, algures entre as duas e as quatro da madrugada, pedaços generosos de traqueia. Do líquido açucarado, que uma farmacêutica paternalista garantiu ser da família das panaceias - "Tome três colherinhas por dia e vai ver que isso desaparece!" -, resta metade. Metade. E a única coisa que está em vias de desaparecer é a minha epiglote. Isso e os globos oculares, que submergem em imperiais olheiras. Dias de gripe são dias sem história...

quinta-feira, março 04, 2004

TODOS OS HOMENS SÃO MARICAS QUANDO ESTÃO COM GRIPE - Pasodoble

Pachos na testa
terço na mão
uma botija
chá de limão
zaragatoas
vinho com mel
três aspirinas
creme na pele
grito de medo
chamo a mulher -
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer
mede-me a febre
olha-me a goela
cala os miúdos
fecha a janela
não quero canja
nem a salada
ai Lurdes Lurdes
não vales nada
se tu sonhasses
como me sinto
já vejo a morte
nunca te minto
já vejo o inferno
chamas diabos
anjos estranhos
cornos e rabos
vejo os demónios
nas suas danças
tigres sem listras
bodes de tranças
choros de coruja
risos de grilo
ai Lurdes Lurdes
que foi aquilo
não é a chuva
no meu-postigo
ai Lurdes Lurdes
fica comigo
não é o vento
a cirandar
nem são as vozes
que vêm do mar
não é o pingo
de uma torneira
põe-me a santinha
à cabeceira
compõe-me a colcha
fala ao prior
pousa o Jesus
no cobertor
chama o doutor
passa a chamada
ai Lurdes Lurdes
nem dás por nada
faz-me tisanas
e pão de ló
não te levantes
que fico só
aqui sozinho
a apodrecer
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer.

António Lobo Antunes - Letrinhas de Cantigas

quarta-feira, março 03, 2004

UM ENORME NADA

As indignações teatrais de Paulo Portas divertem-me tanto como os folclores do Bloco de Esquerda. De visita à capital russa, o ministro da Defesa reagiu aos mais recentes atiçamentos de Francisco Louçã com a habitual sobranceria - aquele contra-ataque padronizado que os engomados da nação gostam de denominar, mais pomposamente, "pose de Estado".

Para o líder democrata-cristão, o deputado-dirigente do Bloco de Esquerda "é o Torquemada da política portuguesa". Isto porque Francisco Louçã convocou os jornalistas a uma salinha de imprensa de São Bento para mostrar, com a típica acidez verbal de quem tem vocabulário a mais e mensagem a menos, umas fotocópias de artigos que Paulo Portas escreveu nos anos 80 para O Tempo. O actual líder do CDS-PP verberava, então, o "discurso da social-democracia". Que, propugnava Portas, "sobre as questões morais se limita a dizer que o aborto é a restauração da pena de morte". Munido de tão "poderoso" instrumento, Francisco Louçã não hesitou em arrumar Portas na gaveta dos "políticos camaleónicos que se adaptam às circunstâncias".

Mas que outra coisa é Louçã, se não um exemplo científico da "adaptação às circunstâncias"? Em Junho de 1988, entrevistado por Assis Pacheco, o então líder do PSR explanava a receita de uma esquerda orgulhosamente "extraparlamentar".

"Eu estou convencido, e tentarei fazer por prová-lo na minha actividade normal, de que uma visão socialista, quer dizer exterior e profundamente crítica, da sociedade, até mais do que isso, da civilização em que vivemos, permite – pelo facto de ser exterior, pelo facto de poder ser lúcida, o que não significa que o seja sempre -, permite uma compreensão extremamente aguda das contradições da vida portuguesa. É minha convicção que o projecto socialista só vale a pena nesse sentido: se de facto for uma ruptura civilizacional".

Ao longo dos anos Louçã passou, portanto, de partidário da "ruptura civilizacional" a um dos mais institucionalizados e profissionais políticos cá do rectângulo. E haverá, realmente, melhor tema para um case study sobre um partido "do sistema" do que o Bloco de Esquerda - um rebanho policromático de grupúsculos de outro modo eleitoralmente irrelevantes?

Mas o que é verdadeiramente sintomático da decadência prematura do edifício político português é o facto de formações minúsculas e histéricas como o CDS-PP e o Bloco de Esquerda conseguirem liderar os respectivos flancos do hemiciclo.

terça-feira, março 02, 2004

ESTADOS GRIPAIS

Nascido no Estado Novo, de Fernando Dacosta, solidarizou-se, ontem, com as minhas expectorações abundantes e tosses de cataclismo. E fê-lo de uma tal forma que, enquanto lia suculentos pedaços de texto sobre a profunda ruralidade de Salazar, dei por mim a passar um mata-borrão entorpecente sobre a flagelação da faringe.

Relembra o autor que Salazar nutria um generoso amor pelo seu par de botas pretas, que lhe cobriam os pés, se preciso fosse, ao longo das quatro estações. A determinada altura, porém, o calçado começou a ameaçar sucumbir à erosão dos elementos e ao uso continuado. Face à ruína iminente, o ditador pede, lamentoso, à sua governanta para votar as botas ao lixo. D. Maria, sabendo do desgosto de Salazar, entrega o par de botas aos cuidados de um sapateiro, que se esmera e logra o restauro.

"D. Maria meteu-as numa caixa, embrulhou-as, pôs-lhe um laçarote e, no Natal, colocou-as na chaminé, entre as prendas. Quando ele as viu ficou tão contente que até bateu palmas de alegria: ‘Ai que bom, ai que bom, as minhas botinhas, as minhas botinhas!'", recorda ao autor uma das "operacionais" de D. Maria, Mavilde Araújo.

Salazar era esta personagem indefinível – enquanto governava um país pardacento com punho férreo e ideário autista, criava, em São Bento, quinhentas galinhas poedeiras, patos, perus e pombos. E quando D. Maria de Jesus abusava das chamadas telefónicas – relata Mavilde -, o "senhor doutor" arengava: "Olhe que isso conta muito!".

É ISTO...

Que belíssimo artigo...

segunda-feira, março 01, 2004

CAFÉ NOSTÁLGICO

A fealdade inocente da menina Da Luz deixou de estar exposta à clientela como a jarra de gerânios quase murchos no topo da torradeira. O balconista da drogaria vizinha, pesado e pesaroso, pergunta pela moça redonda e esbodegada, que o enfeitiçava por detrás de lentes espessas com o sorriso salivado de quem não se maça com filosofia alemã. O proprietário, pai das oito à meia-noite, viúvo de sol a sol, explica ao lojista libidinoso que Da Luz traz o ventre enfermo, pelo que espera, fundeada no perímetro de um rádio de onda média e de uma sevilhana de plástico, o golpe do bisturi redentor.

A obliteração do curador não tocou, espantosamente, o verde pastoso no estuque dos tectos, ali borrado a traça naif ainda o general de Alcains descansava as nádegas nas cadeiras de Belém. Escaparam, ilesas como o verde hortícola, as latas de sortidos de bolacha recheadas de notas e apontamentos a lápis de fiados decanos.

De quando em vez, o pente é subtraído ao bolso da camisa de flanela com destino à poupa saturada de brilhantina e elixires restauradores. Entre uma bica e um pastel de nata, a mão sapuda agita-se num aceno tão geométrico como o risco no flanco esquerdo da cabeça. Na cave mofosa, iluminada com uma lâmpada pendente de um camarão enferrujado, o herdeiro da pastelaria alinha as colunas do deve e do haver. Debate-se com esquadrões de traças que improvisam hangares nas caixas de Dão e nos pacotes de Vigor; evita perturbar o caruncho na secretária enquanto preenche o livro.

Com a barriga tumefacta de cirrose escorada pela montra dos bolos, o senhor Nunes pede o terceiro copo de vinho num idioma entaramelado. São dez e meia da manhã e Da Luz pede ao pai, pelo telefone, que lhe leve um caramelo ao fim do dia. É então que o terceiro copo de tinto do senhor Nunes é temperado com uma lágrima anárquica.

PS TOUJOURS

O meu estimado amigo A. Pereira remeteu a seguinte sugestão para o marco do correio d'O Sedentário...

Depois de terem nomeado o jovem mais velho de Portugal para a liderança do grupo parlamentar, tal como se escolhiam os presidentes de câmara no salarazento lugarejo à beira-mar plantado, os socialistas deviam escolher para candidato a Lisboa o Tino de Rans.